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Charlie Kirk: a pesarosa, mas providencial, justificativa de Trump 2.0 (parte I)

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Charlie Kirk: a pesarosa, mas providencial, justificativa de Trump 2.0 (parte I)

ARTIGOS 29 de setembro de 2025
Charlie Kirk: a pesarosa, mas providencial, justificativa de Trump 2.0 (parte I) Gage Skidmore

Em 2024, o então candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, sofreu duas tentativas de assassinato. Na sequência de eventos com essa carga de dramaticidade, líderes carismáticos (em ambos os extremos do espectro político) costumam usar, à exaustão, uma gama de discursos que oscila entre a personificação da figura de um herói corajoso, sobrevivente, valoroso e escolhido por Deus; a de alguém vitimado por seu altruísmo e por defender certo código moral; ou ainda, a demonização dos adversários políticos, que faz do debate um refém da espiral incessante de violência, ódio e ressentimento.

Como um eco quase imperceptível, que não incomoda, mas que não chega a ser tão baixo a ponto de não ser ouvido e absorvido, esse conjunto de versões embaladas como verdades e carregadas de vocábulos, analogias e metáforas religiosas é repetido e disseminado por nomes de alto perfil e visibilidade dentro desse grupo político. Com isso, agrega-se legitimidade, credibilidade e autoridade a essas falas. 

Uma reportagem da revista Rolling Stone mostra que, após o primeiro ataque sofrido pelo candidato, em julho de 2024, vários republicanos True Believers – entre eles, Charles Kirk; o governador do Texas, Greg Abbott; e o então senador (R-FL) e atual secretário de Estado, Marco Rubio – deram seu testemunho da intervenção e da bênção divinas que salvaram a vida do presidente. “Deus protegeu Trump”, disseram, em uníssono e com convicção. Uma graça concedida pelo caráter especial do presidente e por ele ter uma missão a cumprir em um país excepcional

‘Momento sombrio para a América’ 

Em 2025, no dia (10/9) do assassinato do proeminente ativista conservador Charlie Kirk, de 31 anos, esses elementos foram imediatamente postos em ação por seus aliados – sobretudo, o presidente Donald Trump, que acusou “um grupo radical de lunáticos de esquerda por aí”, sem qualquer evidência comprobatória. [Observação: identificado no dia 12, o principal suspeito até momento, Tyler Robinson, de 22 anos, é um jovem branco, de família de histórico republicano, registrado como um eleitor sem filiação partidária e “inativo” (não vota há duas eleições gerais), criado em um bairro conservador no condado de Washington, Utah, e com fácil acesso a armas]. 

Em discurso à Nação sobre o ocorrido – algo incomum, por se tratar de uma figura partidária sequer eleita e sem cargo público oficial –, referiu-se ao “assassinato hediondo”, uma “atrocidade” e a um “momento sombrio para a América”. Na sequência, trago alguns trechos de seu pronunciamento: 

“… Charlie foi um patriota que dedicou sua vida à causa do debate aberto e ao país que tanto amava, os Estados Unidos da América. Ele lutou pela liberdade, pela democracia, pela justiça e pelo povo americano. Ele é um mártir da verdade e da liberdade, e nunca houve ninguém tão respeitado pela juventude. 

Charlie também era um homem de fé profunda, e nos confortamos em saber que ele agora está em paz com Deus no céu. 

… Já passou da hora de todos os americanos e a mídia confrontarem o fato de que a violência e o assassinato são a consequência trágica de demonizar aqueles com quem você discorda dia após dia, ano após ano, da maneira mais odiosa e desprezível possível. 

Durante anos, aqueles da esquerda radical compararam americanos maravilhosos como Charlie a nazistas e aos piores assassinos em massa e criminosos do mundo. Esse tipo de retórica é diretamente responsável pelo terrorismo que vemos em nosso país hoje, e deve parar agora mesmo. 

… a violência política da esquerda radical feriu muitas pessoas inocentes e tirou muitas vidas. Esta noite, eu peço a todos os americanos que se comprometam com os valores americanos pelos quais Charlie Kirk viveu e morreu: os valores da liberdade de expressão, da cidadania, do Estado de Direito e da devoção patriótica e do amor a Deus. 

Charlie era o melhor da América, e o monstro que o atacou estava atacando todo o nosso país”. 

Nesses parágrafos, vemos a força das palavras e das imagens religiosas mobilizadas para louvar Charlie e criar uma narrativa paralela sobre a origem e a dinâmica dos acontecimentos. Ao mesmo tempo em que condena a violência política, Trump fornece estímulos revanchistas para seus seguidores. E há, nesse sentido, uma crescente reverberação em andamento. Nas redes sociais, o repertório religioso se mistura, paradoxalmente, com um vocabulário belicoso: “guerra”, “ameaça de segurança nacional”, “baixas”, “guerreiro”. Influenciadores, como a onipresente Laura Loomer e Joey Mannarino, e diversos grupos de extrema direita atacam e responsabilizam a “esquerda radical” (um rótulo que inclui, basicamente, qualquer pessoa que discorde deles). Também pedem uma ação enérgica do governo Trump, como a adoção de medidas à la El Salvador – em alusão às políticas draconianas e violadoras dos direitos civis e humanos adotadas pelo presidente Nayib Bukele. 

No dia seguinte, data de outra trágica efeméride do país, ainda em meio ao choque, as homenagens a Kirk e às vítimas do 11 de Setembro se mesclavam, inevitável e propositadamente, e continuavam a seguir o roteiro descrito na abertura deste texto. 

Desvantagem democrata 

A maneira como cada grupo reagiu à notícia é digna de nota, por sua coerência. 

Políticos republicanos, figuras importantes do movimento MAGA e do nacionalismo-cristão pró-Trump, assim como líderes mundiais da extrema direita (com os primeiros-ministros de Israel, Benjamin Netanyahu, e da Itália, Giorgia Meloni; ou o holandês Geert Wilders e a francesa Marine Le Pen), lamentaram a perda do “jovem e talentoso republicano”, “uma profunda ferida para a democracia”, e enalteceram o “ser humano incrível”, que “falava a verdade e defendia a liberdade”. 

Políticos do Partido Democrata e autoridades mundiais não alinhadas com a extrema direita se concentraram no ato em si, condenando qualquer forma de “violência política” e, eventualmente, incluindo as usuais condolências protocolares. Foram reações mais breves, sem exageros e assépticas o suficiente para manifestar respeito – e não demonstrar uma insensibilidade que seria alvo de críticas –, mas sem enaltecer a agenda racista, homofóbica e xenófoba promovida por Kirk. Tratarei do perfil do ídolo dos jovens conservadores em um texto em separado. 

A expectativa de reação de um e outro lado nesse tipo de acontecimento é, hoje, seletiva e praticamente vazia de cordialidade e reciprocidade. Quando a representante estadual Melissa Hortman (DFL-MN) e seu marido, foram assassinados, no mesmo dia em que o senador estadual John Hoffman (DFL-MN) e sua mulher, Yvette, foram baleados em 14 de junho passado, entre outros exemplos, condenações e atos de repúdio dos republicanos trumpistas foram pífios, quando não irônicos e oportunistas, visando a agradar à base eleitoral MAGA. Isso significa que os democratas têm, de saída, uma desvantagem enorme. Espera-se deles coerência com valores e discursos defendidos pelo partido e, igualmente, por cada um de seus membros e eleitores, no plano individual. Espera-se ações e reações “normais”, dentro das regras de um mundo político pré-Trump. Esse mundo, em que todos conheciam e respeitavam as regras do jogo, com uma civilidade tácita, não existe mais. 

A vantagem volta para o outro lado, o que sofreu a perda. Uma perda que ganhou ainda mais espaço e interesse pelo status de celebridade de Charlie Kirk no campo ultraconservador, pela gravidade do acontecimento e por sua inevitável espetacularização. Cerca de 3.000 pessoas acompanhavam, presencialmente, na Utah Valley University, o quadro “Prove me wrong” protagonizado por Kirk, transmitindo ao vivo ou postando depois em suas redes sociais.  

Este é um incontestável momento de luto para o trumpismo e seu universo MAGA. E também é a hora de retomar as rédeas do debate e ganhar algum tempo para diluir a insatisfação popular em um potente caldo feito de emoção, atordoamento, medo e incertezas renovados. Eleitoralmente, essa espécie de tempo em suspenso surge como providencial, em meio à alta desaprovação do desempenho do presidente (56%, com uma aprovação de 42%, conforme pesquisa recente da Reuters/Ipsos), aos questionamentos crescentes sobre sua real condição de saúde (física e mental) e ao caso Epstein. 

Aumento da violência política 

Como exposto neste texto, junto com a mítica do personagem – um homem de Deus atacado por seus valores cristãos conservadores, um líder nato que levou milhares de jovens para o bom caminho, cuja missão foi comparável à de Martin Luther King –, as mensagens surgem carregadas de potenciais gatilhos para um grave aumento da tensão e uma perigosa escalada dos confrontos partidários. 

Em níveis já preocupantes, a violência política em curso nos Estados Unidos deve sofrer um aumento considerável após a morte de Kirk. Seu assassinato poderá servir de justificativa para o endurecimento de políticas por parte do governo Trump 2.0 e até para a oficialização de um estado de exceção que, na verdade, já se encontra em vigor para determinados segmentos da população (tratarei disso em outro Informe). Como vimos acontecer após o 11 de Setembro, o medo paralisa a capacidade de julgamento e tudo se permite, em nome do retorno da sensação de segurança. A morte de Kirk também servirá de raisonnement (baseado em valores, ideologias e visão de mundo racistas e xenófobas, e não em escolhas racionais) para a vendeta da extrema direita. Haverá uma intensificação do discurso acusador e da percepção do “nós” versus “eles” e uma autoliberação no agir que exacerbará, enormemente, a violência política.  

Se o presidente Trump não recuar e baixar o tom, acalmando suas tropas, o país ficará a um passo muito pequeno de uma guerra civil. 

***

Nos próximos textos, tratarei da trajetória e dos polêmicos posicionamentos de Charlie Kirk; e da Turning Point USA, organização da qual foi cofundador. 

 

* Tatiana Teixeira é consultora associada do Unity Global Institute e U.S. State Department Alumna (SUSI 2025). Esteve nos EUA em junho e julho de 2025 para participar do curso de American Politics and Political Thought, realizado no âmbito da Civic Initiative, do Donahue Institute, vinculado à Universidade de Massachusetts Amherst (UMass). O programa Study of the United States Institutes (SUSI 2025) é patrocinado pelo Departamento de Estado dos EUA e administrado pela Universidade de Montana (UM). Trabalhos decorrentes do programa ou outros relacionados aos Estados Unidos são considerados de totais autonomia, iniciativa e responsabilidade da pesquisadora e não representam qualquer endosso ou adesão a quaisquer políticas e agendas por parte do governo americano atual, ou anteriores. Contato: tatianat19@hotmail.com

 

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