Durante a visita do presidente chinês Xi Jinping ao Brasil em novembro de 2024, 37 memorandos de entendimento foram assinados com o governo brasileiro sobre cooperação em diversas áreas. Existem muitas sinergias entre o Brasil e a China, particularmente relacionadas ao Programa de Aceleração do Novo Crescimento, especificamente em energia e transporte, no qual as empresas chinesas alcançaram um alto nível de expertise. A cooperação também avançará em outras áreas, como a reindustrialização do Brasil, a economia digital, a sustentabilidade ambiental e as telecomunicações. Há um caminho bem pavimentado para fortalecer a parceria estratégica.
No entanto, há o receio de que essa relação possa ser afetada por pressões de terceiros. A ascensão do governo Donald Trump, por exemplo, está gerando muita apreensão no mundo todo. Além de prometer uma guerra comercial contra parceiros e adversários, ele desafiou a ordem internacional ao considerar a anexação do Canadá, a retomada do controle do Canal do Panamá e a ocupação da Groenlândia. Além disso, ele defendeu a doutrina do "Destino Manifesto", um suposto mandato divino para o expansionismo dos Estados Unidos. Assim como fez em seu primeiro mandato, ele aplicará a "Doutrina Monroe", que pressupõe uma "América para os americanos", com o objetivo de rejeitar a presença de potências extrarregionais na América Latina, como China e Rússia. Por fim, ele promete punir os países do BRICS caso eles consigam avançar na criação de meios de pagamento alternativos ao dólar americano.
A mentalidade da elite de Washington é recriar a Guerra Fria contra a China e forçar seus vizinhos hemisféricos a tomarem partido dela, como aconteceu durante suas disputas com a União Soviética. Contudo, os tempos mudaram. A presença econômica da União Soviética era limitada aos seus arredores e aos países socialistas do Conselho de Assistência Econômica Mútua, o que não é nada comparado ao papel desempenhado pela China na economia global. Durante a Guerra Fria, os EUA eram o maior parceiro comercial da América Latina, o que não é o caso hoje.
Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil. O Brasil exporta petróleo, soja, minério de ferro, carne, algodão e outras commodities para a China, importando principalmente bens intermediários usados em processos industriais locais e bens de consumo não duráveis e, recentemente, carros elétricos e híbridos. Nesse sentido, duas considerações devem ser feitas.
A primeira é que o comércio com a China cria um grande superávit usado para compensar déficits com outros países e manter as contas externas do Brasil em dia. Sem esse superávit, o país já teria caído em mais uma das muitas crises cambiais que teve em sua história contemporânea.
Em segundo lugar, é essencial considerar que a oferta de bens produzidos na China trouxe um choque competitivo à indústria local, forçando a queda do preço de muitos bens de consumo. Em 1990, um par de tênis comuns custava o equivalente a um salário mínimo. Em 1993, uma televisão colorida de tubo de 20 polegadas custava cerca de US$ 400. Hoje, os consumidores podem comprar uma TV de tela plana de 50 polegadas com conexão à internet por esse preço. A mesma lógica se aplica ao setor automobilístico. Antes da chegada dos veículos chineses, montadoras multinacionais já se estabeleciam por aqui, vendendo modelos com pouca tecnologia e a um preço absurdo. Um modelo de carro vendido por US$ 28.000 nos EUA é vendido no Brasil pelo equivalente a US$ 42.000. A chegada de marcas como Chery, GWM e BYD está mudando o cenário do mercado a favor dos consumidores, oferecendo produtos de maior qualidade a um preço menor. Um aspecto importante do relacionamento da China com o Brasil é o respeito mútuo. Não há imposições unilaterais ou intimidações por parte do governo de Pequim. Os investimentos no país obedecem à legislação brasileira, não havendo condicionantes políticos ou ideológicos, como ocorre nas relações com outros poderes.
Vale a pena dar atenção ao setor energético, onde empresas chinesas oferecem soluções viáveis às demandas do nosso mercado. A China desenvolveu tecnologias de transmissão de corrente contínua de ultra-alta tensão, que tornam as operações mais baratas e evitam perdas de tensão do sistema. Isto é muito importante para um país de dimensões continentais, onde as fontes de energia estão distantes dos principais mercados consumidores.
Ainda sobre este assunto, é preciso considerar a contribuição das empresas chinesas para a transição verde. Quinze anos atrás, os painéis solares custavam cerca de US$ 8,7 por watt e tinham uma eficiência de cerca de 15%. Hoje, eles custam em média US$ 3 por watt e têm uma eficiência entre 19% e 22%. É justamente essa queda brusca de preços que possibilita a enorme expansão da geração de energia solar no Brasil, garantindo a geração de novos empregos e a redução das emissões de gases de efeito estufa. Um processo semelhante ocorreu com a produção de energia eólica. O principal componente das torres de geração são rotores produzidos pela China. Em janeiro de 2024, as empresas chinesas eram responsáveis por 66% da produção mundial deste componente, segundo a Enerdata. Em agosto de 2024, a Goldwind, maior empresa do setor, inaugurou na Bahia a primeira fábrica de turbinas eólicas fora da China.
O espaço de um artigo de opinião não é suficiente para exemplificar a riqueza e a profundidade do relacionamento bilateral, que envolve também cultura, educação e laços entre os dois povos. É importante ressaltar que a parceria com a China não foi construída por apenas um governo, mas é um projeto do Estado brasileiro que avança desde 1974, independentemente da cor política dos governantes. Por isso, os interesses do Brasil não estarão sujeitos à vontade de outros países.
A sociedade brasileira valoriza a parceria e entende a importância da China para o desenvolvimento do país. Não aceitará a imposição de escolher lados em uma nova Guerra Fria. O Brasil valoriza a paz, o respeito à soberania das nações e uma ordem internacional justa e democrática. Nesses aspectos, está de acordo com a China. Está pronta para avançar junto com a China no século XXI.
O autor é professor de economia política internacional na Universidade Estadual Paulista, no Brasil. O autor contribuiu com este artigo para o China Watch, um think tank patrocinado pelo China Daily. As opiniões não refletem necessariamente as do China Daily.
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